Antes eram apenas
cartazes, anúncios e pixações, todos dizendo a mesma coisa: 2/6
VITÓRIA VAI PARAR!
Assim como toda a
Grande Vitória, incluindo a corja dos governantes, não dei a mínima
pra isso.
Não lembro de nenhum
outro protesto sobre o transporte antes desse – fora os ônibus
queimados em Feu Rosa e Tubarão na época que só tinha ônibus de
hora em hora e olhe lá, Tubarão não melhorou muito ainda não -
fazia um curso técnico em elétrica, era bibliotecário e trabalhava
na Escelsa, algum tempo antes um amigo havia comentado sobre o
Massacre na Barra do Riacho e me chamou para um protesto em repúdio
ao ocorrido e apoio às vitimas.
Lá conheci algumas
pessoas do MCA que me falaram sobre o protesto que ia acontecer dia 2
de junho, me animei muito por ver que pessoas estavam decididas a
FAZER algumas coisa em relação ao absurdo que é cobrar pelo
direito à transporte.
No dia, quis ir cedo
direto pro centro ao invés de ir pro trampo, mas acabei cumprindo
minha vida de escravo e fui “bater ponto” (em compensação
passei a maior parte do tempo procurando reportagens ou contato com
alguém que estivesse lá)
Depois do almoço
deixei a biblioteca de lado e fui pro Centro, a reivindicação
tornou-se prioridade, na parte da manhã o caos estava formado, a
pressão contra o Governo estava dando certo, apesar disso consegui
não ficar muito tempo no ônibus, o protesto tinha fechado todo o
lado de quem vinha de Cariacica e Vila Velha e metade do lado de quem
vinha da Serra, em frente ao Palácio Anchieta, e hora do almoço
coincidiu com o momento em que o transito deu uma fluída, graças a
liberação de mais uma faixa, que foi o “acordo” firmado com o
governo para que houvesse uma “reunião” com o vice-governador
Givaldo - na verdade foi um golpe dado para que a tropa de choque
conseguisse chegar, quando a comissão estava indo pra reunião os
porcos estavam chegando.
Desci no inicio da Av.
Princesa Isabel e vi o BME indo em direção ao Palácio na
contra-mão, a via que tinha sido liberada.
Foi quando eu já
estava chegando no Palácio que houve a Primeira Explosão, o
desespero do primeiro contato com O gás só consigo definir como
desesperador, me abriguei em uma loja para procurar uma outra camisa
na bolsa pra tampar o rosto, a fumaça sufocava muito. Daí em diante
houve o confronto e a correria, muita gente passando mal, muita gente
em estado de pânico, muita gente chutando as bombas de volta, tudo
muito turvo e rápido, o raciocínio era meramente instintivo, a
comunicação era rápida e de um por um, alguém me entregou uma
garrafa de vinagre e disse que ajudava a resistir ao gás, a partir
disso passei a procurar quem mais precisasse de vinagre e disseminar
a informação, todos os conhecimentos uteis (ou nem tanto) eram
disseminados pelas conversas rápidas durante o protesto.
Mas precisávamos nos
refugiar em algum lugar que fosse possível pensar no que fazer a
tarde, o protesto tinha que durar o dia todo.
Então lotamos alguns
ônibus e explicando o que estava acontecendo para o motorista
pedimos que nos levasse até a UFES.
O motorista mudou a
placa do ônibus para “ESPECIAL” e começo a dar uma volta enorme
por um caminho ninguém no ônibus conhecia direito, nosso medo era
que ele parasse no Quartel, mas a volta tinha sido pra evitar a
policia.
O local de concentração
foi o Restaurante Universitário que pro nosso desespero já estava
fechado, fizemos uma grande “vaquinha” pra compra de pão,
enquanto algumas pessoas catavam frutas nas arvores da universidade,
outros correrem de sala em sala explicando o que havia acontecido e
chamando pra compor os protestos da tarde, e outros iam juntando
pedaços de madeiras e quaisquer outras coisas que pudessem ser
feitas de barricadas. Logo as pessoas que estavam no protesto haviam
dobrado, em animo e quantidade, acreditávamos que pelo menos o
Estado seguiria as próprias leis e por se tratar de uma zona
Federal não invadiriam a universidade, exceto pelos inúmeros P2
(policiais infiltrados, “à paisana') que sabíamos estar
infiltrados na reunião (por algumas vezes conseguimos expulsar um ou
dois mas é impossível saber quantos eram ao todo).
Por volta das 15:30
fomos para interromper o fluxo da Av. Fernando Ferrari, a ROTAM já
tinha bloqueado toda a “rua da lama” com um contingente superior
até do que o utilizado em muitas invasões em Favelas, o BME estava
na Ponte da Passagem também com o que me pareceu ser todo o
contingente possível (o cheiro do chiqueiro estava insuportável,
nunca vi tanto porco junto).
Armamos as barricadas e
fechamos todo o sentido Serra/Vitória e retiramos uma parte da grade
(que nunca deveria nem ter sido posta, pois serve apenas para mostrar
que a universidade está longe de ser pública) para completar a
barricada, finalmente uma grade serviu pra algo útil. Sabíamos que
haveria mais confrontos, com isso eles perderam o efeito surpresa, e
acreditávamos que se fosse necessário uma fuga rápida daria pra
usar a UFES como refugio (tolo engano).
Dialogo? Negociação?
Nada disso, nem a falsa democracia que eles tanto pregam foi usada,
prova disso foi o único “porta-voz” do Estado que “falou”
com a gente foi o comandante da operação dando uma ordem policial
para a retirada imediata sem qualquer atendimento das nossas
exigências, o único objetivo do Estado era dispersar a
manifestação. Nós exigimos o mínimo, o dialogo e a garantia de
levar outro golpe como de manhã, ao invés disso veio o BME.
Mais tiros, mais
bombas, mais gás, muito mais ódio, agora a intenção dos cães não
era apenas nos dispersar, era de ATACAR. Um companheiro que aderiu a
postura do pacifismo se sentou no chão e ergueu as mãos, juntaram
vários porcos para distribuir golpes de cassetetes, chupes e o
arrastaram pelo asfalto.
Resistimos como
podíamos, atacando pedras, que por mais inútil que possa parecer
acabaram atrasando e desviando o foco dos mercenários fardados, o
que foi de grande valia para os que auxiliavam quem estivesse ferido
ou passando mal, a leva-los para dentro da UFES pra prestar os
socorros necessários, mas logo percebemos que nem os cachorros do
Estado respeitam as próprias leis, enquanto corria
, levando uma
pessoa que estava passando muito mal por causa do gás, para o Cine
Metrópoles (onde descobri que leite nos olhos corta o efeito do
gás), uma bomba de gás lacrimogênio por pouco não atingiu minha
perna – os porcos estavam começando a jogar bombas e atirar para
dentro da UFES, para evitar que os feridos fossem atendidos.
Resolvi que minha
função seria de “atravessador”, eu entrava e saía da Ufes
levando as pessoas feridas até um grupo que estava prestando
socorros.
Foi preciso o
vice-reitor da época também sofrer com as bombas de efeito moral e
o gás para ligar para o vice-governador, em menos de um minuto
depois da ligação houve o cessar-fogo.
A essa altura já
eramos quase 1000 pessoas totalmente revoltadas com a postura do
Estado, sabíamos que a repressão não iria acabar, mas também
estávamos determinados a não desistir por causa da repressão.
Então precisávamos
nos preparar para a noite...
Saímos em marcha em
direção a terceira ponte, o cansaço já tomava conta, a gente se
movia apenas pela determinação, um dia inteiro com a Grande Vitória
em estado de guerra. Os porcos já sabiam pra onde a gente iria e
estavam nos esperando, a noite a confusão foi ainda maior as bombas
vinham de todos os lados não conhecia o terreno, apenas a força de
vontade não bastou, pra pior guardaram o pior para a noite, a
Cavalaria! O Terror de ver aqueles monstros em velocidade e
mobilidade pela primeira vez é inimaginável, assim como faziam os
Capitães do Mato quando perseguiam os escravos revoltosos que fugiam
pros Quilombos, os porcos perseguiam os manifestantes espancavam e
prendiam.
O Confronto foi menor
por que foi em movimento, era a primeira vez em muitos anos que o
Espírito Santo via tanta repressão, similar ao período que a
Ditadura Militar estava em seu auge, houve 28 presos-políticos neste
dia, os feridos não é possível contabilizar, o terrorismo de
Estado não se restringiu ao dia, diversos telefones grampeados,
diversas ligações de ameça foram feitas por muito tempo, o rosto
de muita gente foi marcado.
Mas o silêncio foi
quebrado, a indignação, a revoltada e o sentimento de justiça
colocou, no dia seguinte, cerca de 5000 pessoas na rua para protestar
novamente...
Depois deste dia tive
uma certeza, pode ser que esfrie, pode ser que desmobilize, mas o
sentimento de que “é preciso não ter medo, é preciso ter coragem
de dizer” vai sempre existir
A LUTA CONTINUA, E NÃO
VAI ACABAR!
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