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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Relato de um participante do protesto do dia 2 de junho de 2011


Antes eram apenas cartazes, anúncios e pixações, todos dizendo a mesma coisa: 2/6 VITÓRIA VAI PARAR!
Assim como toda a Grande Vitória, incluindo a corja dos governantes, não dei a mínima pra isso.
Não lembro de nenhum outro protesto sobre o transporte antes desse – fora os ônibus queimados em Feu Rosa e Tubarão na época que só tinha ônibus de hora em hora e olhe lá, Tubarão não melhorou muito ainda não - fazia um curso técnico em elétrica, era bibliotecário e trabalhava na Escelsa, algum tempo antes um amigo havia comentado sobre o Massacre na Barra do Riacho e me chamou para um protesto em repúdio ao ocorrido e apoio às vitimas.
Lá conheci algumas pessoas do MCA que me falaram sobre o protesto que ia acontecer dia 2 de junho, me animei muito por ver que pessoas estavam decididas a FAZER algumas coisa em relação ao absurdo que é cobrar pelo direito à transporte.
No dia, quis ir cedo direto pro centro ao invés de ir pro trampo, mas acabei cumprindo minha vida de escravo e fui “bater ponto” (em compensação passei a maior parte do tempo procurando reportagens ou contato com alguém que estivesse lá)
Depois do almoço deixei a biblioteca de lado e fui pro Centro, a reivindicação tornou-se prioridade, na parte da manhã o caos estava formado, a pressão contra o Governo estava dando certo, apesar disso consegui não ficar muito tempo no ônibus, o protesto tinha fechado todo o lado de quem vinha de Cariacica e Vila Velha e metade do lado de quem vinha da Serra, em frente ao Palácio Anchieta, e hora do almoço coincidiu com o momento em que o transito deu uma fluída, graças a liberação de mais uma faixa, que foi o “acordo” firmado com o governo para que houvesse uma “reunião” com o vice-governador Givaldo - na verdade foi um golpe dado para que a tropa de choque conseguisse chegar, quando a comissão estava indo pra reunião os porcos estavam chegando.
Desci no inicio da Av. Princesa Isabel e vi o BME indo em direção ao Palácio na contra-mão, a via que tinha sido liberada.
                                 

Foi quando eu já estava chegando no Palácio que houve a Primeira Explosão, o desespero do primeiro contato com O gás só consigo definir como desesperador, me abriguei em uma loja para procurar uma outra camisa na bolsa pra tampar o rosto, a fumaça sufocava muito. Daí em diante houve o confronto e a correria, muita gente passando mal, muita gente em estado de pânico, muita gente chutando as bombas de volta, tudo muito turvo e rápido, o raciocínio era meramente instintivo, a comunicação era rápida e de um por um, alguém me entregou uma garrafa de vinagre e disse que ajudava a resistir ao gás, a partir disso passei a procurar quem mais precisasse de vinagre e disseminar a informação, todos os conhecimentos uteis (ou nem tanto) eram disseminados pelas conversas rápidas durante o protesto.
Mas precisávamos nos refugiar em algum lugar que fosse possível pensar no que fazer a tarde, o protesto tinha que durar o dia todo.
Então lotamos alguns ônibus e explicando o que estava acontecendo para o motorista pedimos que nos levasse até a UFES.
O motorista mudou a placa do ônibus para “ESPECIAL” e começo a dar uma volta enorme por um caminho ninguém no ônibus conhecia direito, nosso medo era que ele parasse no Quartel, mas a volta tinha sido pra evitar a policia.
O local de concentração foi o Restaurante Universitário que pro nosso desespero já estava fechado, fizemos uma grande “vaquinha” pra compra de pão, enquanto algumas pessoas catavam frutas nas arvores da universidade, outros correrem de sala em sala explicando o que havia acontecido e chamando pra compor os protestos da tarde, e outros iam juntando pedaços de madeiras e quaisquer outras coisas que pudessem ser feitas de barricadas. Logo as pessoas que estavam no protesto haviam dobrado, em animo e quantidade, acreditávamos que pelo menos o Estado seguiria as próprias leis e por se tratar de uma zona Federal não invadiriam a universidade, exceto pelos inúmeros P2 (policiais infiltrados, “à paisana') que sabíamos estar infiltrados na reunião (por algumas vezes conseguimos expulsar um ou dois mas é impossível saber quantos eram ao todo).
Por volta das 15:30 fomos para interromper o fluxo da Av. Fernando Ferrari, a ROTAM já tinha bloqueado toda a “rua da lama” com um contingente superior até do que o utilizado em muitas invasões em Favelas, o BME estava na Ponte da Passagem também com o que me pareceu ser todo o contingente possível (o cheiro do chiqueiro estava insuportável, nunca vi tanto porco junto).
Armamos as barricadas e fechamos todo o sentido Serra/Vitória e retiramos uma parte da grade (que nunca deveria nem ter sido posta, pois serve apenas para mostrar que a universidade está longe de ser pública) para completar a barricada, finalmente uma grade serviu pra algo útil. Sabíamos que haveria mais confrontos, com isso eles perderam o efeito surpresa, e acreditávamos que se fosse necessário uma fuga rápida daria pra usar a UFES como refugio (tolo engano).



Dialogo? Negociação? Nada disso, nem a falsa democracia que eles tanto pregam foi usada, prova disso foi o único “porta-voz” do Estado que “falou” com a gente foi o comandante da operação dando uma ordem policial para a retirada imediata sem qualquer atendimento das nossas exigências, o único objetivo do Estado era dispersar a manifestação. Nós exigimos o mínimo, o dialogo e a garantia de levar outro golpe como de manhã, ao invés disso veio o BME.
Mais tiros, mais bombas, mais gás, muito mais ódio, agora a intenção dos cães não era apenas nos dispersar, era de ATACAR. Um companheiro que aderiu a postura do pacifismo se sentou no chão e ergueu as mãos, juntaram vários porcos para distribuir golpes de cassetetes, chupes e o arrastaram pelo asfalto.
Resistimos como podíamos, atacando pedras, que por mais inútil que possa parecer acabaram atrasando e desviando o foco dos mercenários fardados, o que foi de grande valia para os que auxiliavam quem estivesse ferido ou passando mal, a leva-los para dentro da UFES pra prestar os socorros necessários, mas logo percebemos que nem os cachorros do Estado respeitam as próprias leis, enquanto corria
, levando uma pessoa que estava passando muito mal por causa do gás, para o Cine Metrópoles (onde descobri que leite nos olhos corta o efeito do gás), uma bomba de gás lacrimogênio por pouco não atingiu minha perna – os porcos estavam começando a jogar bombas e atirar para dentro da UFES, para evitar que os feridos fossem atendidos.
Resolvi que minha função seria de “atravessador”, eu entrava e saía da Ufes levando as pessoas feridas até um grupo que estava prestando socorros.
Foi preciso o vice-reitor da época também sofrer com as bombas de efeito moral e o gás para ligar para o vice-governador, em menos de um minuto depois da ligação houve o cessar-fogo.
A essa altura já eramos quase 1000 pessoas totalmente revoltadas com a postura do Estado, sabíamos que a repressão não iria acabar, mas também estávamos determinados a não desistir por causa da repressão.
Então precisávamos nos preparar para a noite...
Saímos em marcha em direção a terceira ponte, o cansaço já tomava conta, a gente se movia apenas pela determinação, um dia inteiro com a Grande Vitória em estado de guerra. Os porcos já sabiam pra onde a gente iria e estavam nos esperando, a noite a confusão foi ainda maior as bombas vinham de todos os lados não conhecia o terreno, apenas a força de vontade não bastou, pra pior guardaram o pior para a noite, a Cavalaria! O Terror de ver aqueles monstros em velocidade e mobilidade pela primeira vez é inimaginável, assim como faziam os Capitães do Mato quando perseguiam os escravos revoltosos que fugiam pros Quilombos, os porcos perseguiam os manifestantes espancavam e prendiam.
O Confronto foi menor por que foi em movimento, era a primeira vez em muitos anos que o Espírito Santo via tanta repressão, similar ao período que a Ditadura Militar estava em seu auge, houve 28 presos-políticos neste dia, os feridos não é possível contabilizar, o terrorismo de Estado não se restringiu ao dia, diversos telefones grampeados, diversas ligações de ameça foram feitas por muito tempo, o rosto de muita gente foi marcado.
Mas o silêncio foi quebrado, a indignação, a revoltada e o sentimento de justiça colocou, no dia seguinte, cerca de 5000 pessoas na rua para protestar novamente...
Depois deste dia tive uma certeza, pode ser que esfrie, pode ser que desmobilize, mas o sentimento de que “é preciso não ter medo, é preciso ter coragem de dizer” vai sempre existir
A LUTA CONTINUA, E NÃO VAI ACABAR!

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