As juventudes, o canal contraoaumento e a política dos novos tempos
Teresina experimenta um momento ímpar, porém, já vivido por outras capitais brasileiras. As
manifestações juvenis contra o aumento da passagem do ônibus dos
últimos dias têm-se constituído num cenário político particular da vida
da cidade, conferindo-lhe rotinas e dinâmicas inéditas. O movimento só
encontra similares nos idos dos anos 80 quando os estudantes ocuparam
quase as mesmas ruas e praças denunciando a opressão do regime militar.
O
movimento pelo transporte poderia ser analisado por vários ângulos,
posto que pleno de sentidos sociais, políticos, culturais, econômicos.
Aqui priorizo olhá-lo pelo enfoque político,dimensão através da qual os
atores implicados mais fortemente se puseram em cena, dando corpo à
disputa de interesses variados.
Primeiramente,
entendo que as manifestações ocorridas, embora com existência própria e
marcadas por especificidades, não podem ser vistas apartadas do
Movimento Passe Livre-MPL, há algum tempo, campo de militância de
alguns segmentos estudantis do Brasil. Vejo estreita correspondência
entre a cultura política consolidada nas manifestações do MPL de
Salvador, de Florianópolis e outras capitais e os contornos obtidos
pelo #Contraoaumento de Teresina. Existe um nexo, um fio que articula a
luta dos jovens e penso, inclusive, que é desse ponto de vista que
deve ser olhado, por exemplo, o significado político maior da demanda
básica da luta posta na rua: a redução do preço da passagem do ônibus.
Demandar
o direito de não pagar a passagem - ou de ter o seu preço estabelecido
em patamares toleráveis - remete-nos imediatamente a um direito civil
básico do pacto social estabelecido numa democracia, que é o direito de
ir e vir. Nossa Constituição Federal consagra como livre o direito de
locomoção. Sabemos, por outro lado, que na realidade das grandes
cidades, das sociedades complexas a operacionalização desse direito
implica em que uma série de condicionantes seja atendida, tais como a
indispensável disponibilidade de meios para torná-la possível quando a
locomoção situa-se para além da capacidade física de cada um. Desse
modo,questionar o preço da passagem é, antes, questionar até que ponto a
fruição deste direito se mostra real, factível nos termos vivenciados
em nossa ociedade; é questionar a existência concreta da suposta
liberdade de ir e vir.
Um
segundo desdobramento diz respeito aos principais atores da
reivindicação, os estudantes. O movimento parece deixar entender que as
juventudes estudantis, tomadas pela sociedade como responsáveis pela
continuidade social, demandam nas ruas que o alto custo do preparo
dessas novas gerações deixe de ser administrado individualizada e
arduamente pelas famílias. Que a tarefa passe a ser também do Estado,
responsável pela gestão dos bens e serviços financiados publicamente, e
de alguns setores da sociedade, os quais acessam as maiores parcelas da
riqueza social, no caso, o empresariado do setor. O corolário da
atitude é a desconstrução do entendimento naturalizado de que a
formação daqueles que nos substituirão coletivamente é de
responsabilidade exclusiva do núcleo familiar.
Na luta
empreendida, os jovens apontam modelos de política que viessem a
atender suas necessidades atuais: negam para si a assunção do ônus do
transporte por se reconhecerem sujeitos
de direito quanto à proteção que o Estado brasileiro os promete em
discursos e textos legais, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA. Recusam as saídas paliativas para a problemática
vivenciada, como as políticas públicas compensatórias, como o
bolsa-família, ou repressoras, como as tais medidas sócio-educativas.
Reivindicam mais a liberdade de trânsito na cidade do que as condições
para pagarem o cobrado pelo empresariado, mais a oportunidade de
freqüentar a escola de qualidade do que vagas em empregos/trabalhos
precoces, precarizados e vazios de sentido.
As juventudes
parecem cobrar das instituições o cumprimento cabal de suas
responsabilidades, aclarando os campos de luta e rompendo, nesse
sentido, a perspectiva de adequação à política hegemônica de Estado.
Desse modo, assumem-se como pessoas em formação e afirmam, na
participação política de resistência, a condição de sujeitos dos seus
próprios destinos.
Por
outro lado, os jovens passaram a colocar sob suas miras o capital. A
cobrança direta que fazem dos setores privados introduz aos levantes
uma característica nova em relação aos movimentos sociais juvenis de
décadas atrás, os quais focavam apenas o Estado como interlocutor e
adversário político. Adotar, numa luta concreta, o capital como
adversário direto coloca o movimento pelo transporte em aproximação com
os movimentos juvenis mundiais contemporâneos,os quais – organizados
sob as mais diferentes maneiras – se insurgem contra outras expressões
do capital, presentes nesse novo mundo que povoamos. O enfrentamento de
questões relativas à exclusão social, tão crônicas e triviais para
nós, no Brasil e no Piauí, se expressa nas ruas a partir de uma nova
leitura, extensiva ao coletivo local e estimulada pelos movimentos
mundiais e nacionais de resistência ao capital sem pátria e igualmente
virulento.
Até
onde consigo ver, os agentes privados têm decodificado perfeitamente o
sentido das lutas e têm organizado sua reação à altura do risco urdido
pela audácia juvenil. Só por essa razão poderemos compreender a força
repressiva que se alastra sobre os jovens de Teresina e do Brasil
afora. É a defesa intransigente de um território comum e “intocável”,
onde estão blindados políticos e seus interesses eleitorais x
empresários beneficiários de gestões apartadas dos interesses sociais
básicos, ambos orquestrando a manutenção do establishment.
As
juventudes na rua operam uma síntese potente entre o novo e o velho,
ao tempo em que desenham um presente/futuro onde nos
substituem/substituirão confiantemente. Para quem acreditava que os
jovens estavam “mortos” fica a reflexão: novos tempos, novos sujeitos,
novas lutas.
Valéria Silva
- É Doutora em Sociologia Política. Professora do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia-PPGAArq-UFPI. Membro do
Núcleo de Pesquisa sobre Crianças, Adolescentes e Jovens-NUPEC-UFPI.
Fonte: http://fureotubo.blogspot.com/2011/10/as-juventudes-o-canal-contraoaumento-e.html?spref=tw
Fonte: http://fureotubo.blogspot.com/2011/10/as-juventudes-o-canal-contraoaumento-e.html?spref=tw
2 comentários:
Eaew , aqui é do Marcelo ,do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos , estou seguindo vocês ..fortalece aew...
Olá!
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