Estado de
Sitio[2]
Mais um ano com as velhas e permanentes histórias pra boi dormir: a
farra dos políticos e dos empresários capixabas. Em 2011 participamos de vários
protestos e manifestações, reuniões e “diálogos”, com o governo e com a polícia,
mas nada foi resolvido. Depois que estudantes e trabalhadores tomaram a cena ao
lutarem por uma vida mais digna, mais justa, ou pelo menos por um transporte
realmente público - o que implicitamente já carrega as duas premissas
anteriores – os políticos e o governo tentaram roubar a cena e fizeram até
“protesto”, só que o deles é para ter um pedaço maior na partilha das riquezas
produzidas pelo pré-sal, que beneficia os já beneficiados pela exploração do
transporte coletivo e interestadual, dos pedágios, dos produtos das indústrias
vendidos na cidade – comprados por haver possibilidade de locomoção
(transporte) para usufruto dos serviços das cidades – os empresários, ou se
preferir bene-financiadores de políticos.
Estudantes e trabalhadores interditam ruas e botam fogo em pneus
exigindo a redução da passagem, políticos interditam a BR e também incendeiam
pneus querendo a maior parte da riqueza do pré-sal para os estados produtores.
Estudantes seguem em protesto o ano inteiro, governo e políticos fazem “protesto”
milionário com direito a Dudu Nobre e Gabriel Pensador.
No início de 2012 enquanto aguardávamos não tão esperançosos o
cumprimento da pauta entregue a governador, ouvimos mais uma das historinhas:
outro aumento de passagens. A revolta é imediata, então, mais uma vez saímos às
ruas e gritamos alto para que algo fosse feito. Sim foi feito, a mesma coisa
que no ano passado, somos recebidos pelo diálogo de fumaça e bala de borracha
do governo Casagrande e do BME. E ainda, somos obrigados a engolir que já fomos
atendidos.
Digam todos, até quando vamos acreditar nessas historinhas da
carochinha? Enquanto o governo, os empresários e a mídia tentam criminalizar os
movimentos sociais a fim de tentar convencer a “opinião publica” que somos
“vândalos” e “baderneiros”, o mesmo governo testa um super-blindado tipo
caveirão, com metralhadoras giratórias e jato d’água super potente para
dispersar massas. Enquanto no articulamos nas redes, somos grampeados,
investigados, acusados, filmados – pelas câmeras dos P2 nas manifestações,
pelas centenas de câmeras de vigilância instaladas pela Grande Vitória e pelo
reality show da mídia corporativista.
Não devemos aceitar as criminalizações, não estamos mais numa ditadura
militar. E o que percebemos é que existe sim, nas palavras de um companheiro de
luta, uma “democracia militar”, ou seja, a militarização da sociedade e das
relações sociais. As acusações de que a ação de incendiar um ônibus no protesto
contra o aumento de passagens no dia 11 de janeiro de 2012 seria premeditada e
teria ligação com um grupo criminoso, tem o intuito de ser um golpe rasteiro do
governo aos movimentos sociais, a própria declaração do Governador confirma
isso: “O governo sempre esteve aberto ao diálogo. Não há conversa com quem
comete crime, mas o movimento é uma mobilização que tem muitas pessoas que
querem a melhoria do transporte coletivo e nós compreendemos isso. É preciso
que entidades respeitadas da sociedade capixaba possam assumir efetivamente
essa relação com o governo. Queremos avançar ainda mais com o que diz respeito
ao transporte coletivo[3]. Quais seriam as
entidades respeitadas? As empresas, as entidades estudantis e sindicatos
burocratizados e ligados ao governo, que anualmente votam a favor do aumento
tarifário?
Outro absurdo é associar o livro de Sun Tzu “A arte da guerra”,
encontrado na casa do estudante acusado de incendiar o ônibus, a conteúdos de
guerrilha. Será que só pessoas que pertencem a grupos caracterizados como
“criminosos” leriam um livro como esse? Será que essa assertiva não vale também
para o livro de Maquiavel “O príncipe”, bastante indicado em disciplinas de
Ciência Política e bastante lido por políticos de renome? Um livro, assim como
o de Sun Tzu, escrito há anos atrás. E que afirma: na disputa de poder é
preciso conquistar ou eliminar (via prisão ou assassinato) os súditos do reino
anterior, além é claro, de exterminar seus inimigos, se o novo príncipe, ao
qual Maquiavel faz alusão, deseja sucesso e estabilidade em seu reinado. Não
estaríamos diante de manuais que incentivam ao assassinato? Políticos não
estariam aprendendo as maneiras de eliminar adversários políticos, no sentido
literal da palavra?
Fato é que, estamos diante de uma conjuntura em que é preciso assumir
efetivamente quais são os nossos posicionamentos políticos, ser de esquerda não
significa apenas ser “militante de facebook”, ou aderir ao "vem pra rua”,
ainda mais para os jovens, pelo seu protagonismo e por sua atitude potencial
criadora. Os jovens em todo mundo estão tomando os rumos de suas sociedades, os
jovens árabes, norte americanos e europeus estão mostrando isso, mesmo que
custem as críticas dos mais reacionários, no que diz respeito aos métodos
empregados pelos mesmos. O engraçado é perceber o quanto aqui na periferia, na
América Latina, na Colômbia, no Chile, no Brasil, no México, milhares continuam
nas ruas, ocupando, enfrentando a polícia, desaparecendo, sendo mortos, mesmo
assim, continuamos sendo chamados de “baderneiros” e “vândalos”, afinal a
ditadura já passou e estamos numa “democracia consolidada”, lá é a primavera
árabe, aqui a “baderna”. Será?
Estamos em um Estado de Sitio, a guerra é velada, todos os dias somos
explorados, torturados, injuriados. Obrigam-nos a aceitar essa hipocrisia
diária, enquanto realizam seus diálogos para as próximas eleições, lobbys
e concessões públicas. Nesta conjuntura, se nos negam a verdadeiro diálogo
precisamos assumir a postura de combatentes, pois segundo o Educador Paulo
Freire: “O diálogo se dá entre iguais e diferentes, nunca entre antagônicos.
Entre esses, no máximo, pode haver um pacto. Entre esses há sim, conflito de
natureza contrária ao conflito existente entre iguais e diferentes.” Ou seja, o
conflito não só de ideias, mas de ações.
Violento é o governo que sempre escolhe pela repressão, não temos
direito de escolha quando recebemos interditos proibitórios e mandatos
reintegração de posse, ou quando devemos dispersar ao decidirem (o governo e
sua corja) que não podemos mais ocupar vias públicas. Aí não existe diálogo, ou
saímos ou somos reprimidos como sempre acontece.
Lutar não é crime, violência é um ato praticado por pessoas contra
pessoas, não contra coisas! Até agora a violência sempre partiu do governo e
seus lacaios.
Recrudescimento do Estado Policial e da “democracia militar”
A revolta
popular em relação à conjuntura social brasileira, no que diz respeito à
política e a os interesses públicos, tem provocado e demonstrado a medida
crescente da militarização/centralização do estado e das instituições quanto às
liberdades civis e políticas. A prisão política de mais de 80 manifestantes no
ultimo protesto realizado na capital capixaba [4]e
em outros estados como Rio e Natal são a expressão disso, além é claro das
pressões atuais para a ligeira aprovação da lei de Terrorismo no Brasil, que
seria, mediante a realização disto, a tacada final do estado autoritário contra
as insurreições populares.
O caos arquitetado por uma elite política/econômica, tem se realizado
pelo prevalecimento da exploração privada sobre a prestação dos serviços
públicos e do interesse das grandes corporações quanto aos governos nacionais e
regimes políticos em diversas partes do globo. Não pela “anarquia”,
“vandalismo” e “violência” – classificações dos representantes oficiais do
estado autoritário – característica de certas formas de mobilização social na
atualidade. O discurso autoritário é a ferramenta dessas elites para a
legitimação da verdadeira violência praticada pelos governos dos ricos, se é
que exista governo para os pobres!
A destruição de símbolos da propriedade privada, dos prédios públicos, a
abordagem e repercussão deles, especialmente no Brasil, não dizem respeito
simplesmente à suposta ação deliberada de grupos “radicais” ou
“criminosos”, o que sistematicamente tem se realizado é, na verdade, a
tentativa de convencer a “opinião pública” de que, quem está nas ruas,
realizando protestos, bloqueios, piquetes, ocupações, marchas, enfim, que lutar
por uma sociedade com equidade e justiça social não pode ameaçar a status
quo. E que, portanto, as insatisfações populares devem ser expressas de
forma “ordeira” para que não ameace a paz. Ou seja, intensifica-se a
criminalização das revoltas populares e dos movimentos sociais. Devo concordar
sim, que essas revoltas ameaçam a paz, mas a paz dos ricos, pois os pobres
talvez nunca à conheceram, além da violência diária de pagar caro para
sobreviver (comida,impostos,transporte) o povo pobre e da periferia é
exterminado pela polícia e pelo tráfico cotidianamente.
A ação direta, simbólica e contra as instituições são a expressão de que
o povo não aguenta mais ser explorado, alienado, violentado e assassinado. Não
é possível afirmar que vivemos e uma guerra civil aberta, como em países árabes
e africanos – há uns que acreditam se aproximarmos de uma “quarta guerra
mundial” de paus e pedras – mas que a ação orquestrada pelos “donos do poder”
tem em si, o Brasil como um laboratório, isto é um fato. Aqui se testa a
capacidade de controle de um suposto “estado democrático direito” sobre oprimidos,
também no amortecimento desse estado nas transformações radicais necessárias e
proeminentes a serem realizadas por estes oprimidos.
Rio +20, Jornada da Juventude, Copa, são as pesquisas e investimentos
multimilionários na realidade brasileira e “testes” da capacidade dos governos
e do braço repressor do Estado em “segurar as rédeas” da nação. Isso, porque o
povo ainda tem receio ou “trauma” de uma ditadura militar aberta, mesmo que
muitos reaças suspirem com aspirações conservadoras infiltradas e enfiadas
(pela mídia corporativista) nas mobilizações populares. Os milicos estão com a
mão “coçando” para galoparem por mais algumas décadas com as rédeas nas mãos,
mas isso ainda não pode ser realizado assim, as caras, no Brasil, onde há três
anos, tudo era promissor e a crise mundial seria uma “marolinha”. Ao mesmo
tempo esses mega eventos são uma franquia temporária para a indústria bélica e
esportiva. A tendência é o aumento da demanda de armas não-letais[5],
para aquecer esse mercado, já que por exemplo, na conjuntura atômica, a
industria bélica não pode contar com a ajuda de uma corrida armamentícia,
portanto se estrutura (o mercado bélico) no imperialismo e no mercado
negro.
As dinâmicas das revoltas populares tem suscitado um debate profundo que
precisa amadurecer nos movimentos sociais. Entre violência e não violência. Não
podemos continuar permitindo que a mídia corporativista continue a dar o tom
dos protestos enfatizando que uma maioria que está nas ruas de forma
“pacífica”, e que o suposto “pacifismo” e a não-violência sejam as únicas
formas de se efetivar transformações radicais. Na verdade a não-violência é ineficaz,
racista, estatista e patriarcal[6]. A história tem
demonstrado que poucas transformações radicais foram realizadas sem influencia
da ação violenta. O que não significa dizer que estou realizando uma apologia à
violência que impera na sociedade brasileira. Mas que ela (a violência) tem
natureza política e de classe, e que, portanto é praticada por ambos os lados,
desde o estado e os ricos aos explorados. Na verdade o estado até tenta ter o
monopólio da violência.
Existem análises recentes afirmando que o pacifismo e não-violencia,
nessa conjuntura brasileira, são sim tentativas de se travar transformações
radicais, ações contrarrevolucionárias[7],
e que favorecem, portanto, a própria violência estatal, também a corrupção[8].
Precisamos intensificar a luta em defesa das liberdades civis e
democráticas, contra a criminalização dos movimentos sociais, pela desmilitarização
da polícia e pela anistia aos presos políticos na democracia, não só os das
recentes mobilizações, mas os presos das lutas anteriores como: contra o
aumento das passagens, contra as remoções e das desocupações das favelas,
dentre outras com este caráter desafiador das instituições. Também para que se
criminalize e puna severamente os políticos corruptos e a violência policial
nas periferias brasileiras.
“Se na há justiça para os pobres que não haja paz para os ricos!”
“Paz sem voz não é paz é medo!”
“Faço guerra contra falta de paz!”
[1]Haimon Verly Bacharel em Serviço
Social pela UFES e integrante do Movimento Passe Livre Grande Vitória (MPL_GV).
[2]Este primeiro tópico é uma revisão com acréscimos do texto escrito
em 2012, numa conjuntura de luta contra os aumentos de passagens, no período
logo após em que um estudante foi detido, supostamente, por incendiar um
coletivo naqueles protestos e antes de eu mesmo ser preso injustamente por,
supostamente, portar material explosivo em uma ocupação do prédio do SETPES em
Vitória. Os materiais encontrados comigo se tratavam de brinquedos pirotécnicos
(feitos de açúcar e salitre) que foram manipulados levianamente pela polícia e
pelo governo do estado transformando-se, segundo eles, numa arma extremamente
letal com poder de fogo de um fuzil. Fiquei preso sete dias em um presídio e
respondo criminalmente até hoje.
[4]Dos 80 alguns foram liberados,
mas a maioria foi pra presídios. Fonte http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/07/noticias/cidades/1453819-apos-o-protesto-no-centro-de-vitoria-35-pessoas-e-13-menores-sao-autuadas-pela-policia-civil.html
acesso em 21/07/2013.
[5]Segundo
matéria “[Não tem dinheiro pra tarifa
zero?] Armas não letais vagas de garagem e cursos segurança da copa já consumiu
RS 500 milhões” de Lúcio de Castro. A Secretaria Extraordinária de
Segurança para Grandes Eventos (SESGE), criada em 2011 e subordinada ao
Ministério da Justiça, já gastou mais de setenta milhões (R$ 71.254.343,10) desse
montante, com artigos de repressão como bombas de efeito moral, spray de pimenta,
balas de borracha, granada lacrimogêneo com chip de rastreamento e armas
elétricas. Dos 71 milhões, quase cinquenta milhões são de contrato com a Condor
S.A Indústria Química que foram amplamente utilizados na “Primavera Árabe”.
Fonte: http://tarifazero.org/2013/08/09/nao-tem-dinheiro-pra-tarifa-zero-armas-nao-letais-vagas-de-garagem-e-cursos-seguranca-da-copa-ja-consumiu-r-500-milhoes/.
[6]Livro muito interessante de Peter Gelderloss (2004)
“Como a não violência protege o estado” disponível em http://pt.protopia.at/wiki/Como_a_N%C3%A3o-Viol%C3%AAncia_protege_o_Estado
acesso em 21/07/2013.
[8]Fonte: http://espiritodotempo.org/sitio/node/1
acesso em 21/07/2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário